Nossa singela contribuição á Luta pela Terra. Registramos que, a melhor fonte para esse tema é o blog homônimo, www.alutapelaterra.blogspot.com, alimentado com textos, entrevistas e pronunciamentos do Mestre Miguel Baldez. Abaixo, transcrevemos o pedido de Medida Cautelar enviado pelas comunidades em perigo á Organização dos Estados Americanos.
DENÚNCIA SOBRE REMOÇÕES FORÇADAS NA CIDADE DO RIO
DE JANEIRO
As comunidades da Restinga, Vila Harmonia e Vila Recreio II, com o apoio da Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência, Pastoral de Favelas e Conselho Popular, localizadas no bairro do Recreio dos Bandeirantes, Rio de Janeiro, Brasil, denunciam a grave situação de violação aos direitos humanos a qual estamos submetidas atualmente – consistindo na remoção forçada e arbitrária dos moradores de nossas
comunidades pelo Estado, conforme melhor se explicará a seguir.
Essas comunidades, formadas por afro-descendentes e pessoas de baixa renda, se estabeleceram no bairro do Recreio dos Bandeirantes há mais de quarenta anos, numa época na qual a localidade ainda não estava urbanizada. Não havia transporte público, infra-estrutura e a expansão da incorporação imobiliária ainda não havia chegado até esta parte da cidade.
Desde então, os grupamentos cresceram e até o passado recente, antes do início das atividades do Estado visando a remoção forçada das famílias, congregavam aproximadamente quinhentas famílias. Além de servir de local de residência, muitos dos moradores fizeram do local sua fonte de renda, estabelecendo comércios e pequenas empresas como forma de sustento.
Com vistas de regularizar a situação das comunidades, alguns procedimentos administrativos e legislativos foram iniciados. No caso da Vila Harmonia, o Instituto de Terras do Estado do Rio de Janeiro iniciou os processos administrativos de regularização fundiária. Quanto à comunidade da Restinga, tramita na Câmara Municipal da Cidade do Rio de Janeiro o Projeto de Lei 1.528 de 2008 que visa a regularização da comunidade, declarando em sua justificativa1(1 Disponível na página virtual da Câmara Municipal em <http://www.camara.rj.gov.br>) .
“O enquadramento desta área como de Especial Interesse Social é de suma importância para que haja regularização urbanística. Declarada como tal, a respectiva comunidade passará a ser regulada por uma legislação que estabelece padrões especiais de urbanização, parcelamento da terra e uso e ocupação do
solo condizentes com a tipicidade local e capazes de gerar um sistema efetivo de controle urbanístico.
“Busca-se contribuir, assim, para ampliar os direitos de cidadania dos moradores, conter o crescimento predatório, instituindo regras para melhorar as condições de habitabilidade, caracterizar a distinção entre espaços públicos e privados, evitar o uso inadequado de áreas de risco e proteger o meio ambiente.”
Mais amplamente, há a Lei Complementar n. 79 de 2002, que institui o Projeto de Estruturação Urbana que inclui a área do Recreio dos Bendeirantes, declarando-a como área de especial interesse social, para viabilizar e facilitar a urbanização e regularização fundiária. Assim, no inciso 2º desta lei consta como um de seus objetivos “garantir meios de participação da população local para atendimento de suas propostas.”
Infelizmente não é este o cenário que se apresenta nos últimos meses. Apesar deste aparente interesse do Poder Público em promover a urbanização e regularização das comunidades mencionadas, esta vontade acaba por limitar-se a estes textos legislativos, não se reproduzindo em prática governamental.
Pelo contrário, em virtude das obras da chamada Transoeste, rota viária a ser construída na cidade do Rio de Janeiro, o Estado vem promovendo remoções arbitrárias, ameaças e uma série de arbitrariedades que violam o direito ao devido processo e o direito à propriedade dos moradores e trabalhadores destas localidades, sem lhes dar a chance de assegurar uma proteção judicial efetiva a estes fatos.
A situação destas comunidades se insere no contexto da vitória da cidade do Rio de Janeiro, no final de 2009, para a realização dos Jogos Olímpicos de 2016. Esta realização implica o cumprimento de uma série de exigências feitas pelo Comitê Olímpico 2 (Disponível em <http://www2.rio.rj.gov.br/smu/buscafacil/Arquivos/PDF/LC79M.PDF>) Internacional (COI) para a preparação da cidade com vistas aos Jogos. As principais determinações obrigam os poderes públicos da cidade-sede a realizar uma série de obras e intervenções urbanísticas. Uma das ações mais recentes do poder público municipal foi o encaminhamento de um "pacote de leis" para a Câmara de Vereadores. No conjunto, esta nova legislação proposta altera profundamente normas urbanísticas, especialmente nas áreas em que se concentrarão os equipamentos destinados aos Jogos. Entre outras coisas, há medidas que beneficiam diretamente o capital imobiliário, em detrimento das populações mais pobres, no sentido de alterar gabaritos para hotéis e permissão para novas construções em áreas em que a legislação atual proíbe, por questões de sustentabilidade urbana. Em sua grande maioria, a nova legislação proposta por conta dos Jogos Olímpicos despreza as leis em vigor tanto no município, quanto as que estão consubstanciadas na Constituição Federal. Passa por cima, inclusive, das normas que proíbem remoções de comunidades e que informam a necessidade de urbanizá-las e regularizá-las.
Os Jogos que ainda nem começaram, mas já estão deixando seus legados pela cidade. Não necessariamente positivos. As obras viárias previstas (algumas em andamento), a princípio importantes para a mobilidade urbana, têm provocado o deslocamento maciço de inúmeras comunidades, que se encontram no traçado original dos projetos. É importante mencionar que estes nunca foram discutidos com os moradores destas localidades. É o caso do corredor Transoeste, que ligará a Barra da Tijuca a Santa Cruz. Atualmente, três
comunidades do Recreio dos Bandeirantes, Zona Oeste do Rio de Janeiro, têm sofrido as consequências perversas desta obra: Restinga, Vila Harmonia e Vila Recreio II. Uma quarta praticamente deixou de existir recentemente: a comunidade Notre Dame.
Não apenas não se discutem alterações no traçado do projeto, como a alternativa habitacional quase sempre não é digna do nome: a única "alternativa" é a "escolha" de um apartamento construído pela prefeitura, com recursos federais do programa Minha Casa, Minha Vida, nos bairros de Cosmos e Campo Grande. Todo o processo de remoção das comunidade se inicia com um rápido e eficiente processo de convencimento de parte dos moradores de uma dada localidade. Entretanto, neste caso, convencimento vem quase sempre atrelado de coação e ameaças, tornando-se quase sinônimos. Frequentemente, são funcionários da subprefeitura local que realizam este processo. Importante lembrar que o atual prefeito deu autonomia operacional a estas administrações regionais para que fizessem parte das ações do programa de remoções municipal em curso. Em alguns casos, as equipes das subprefeituras ficam responsáveis por todo o processo: do convencimento à demolição.
RESTINGA
A comunidade Restinga, localizada na Avenida das Américas, é habitada por 153 famílias de baixa renda que residem e trabalham no local há mais de 50 anos. No dia 22 de julho de 2010, parte dos moradores recebeu notificações da Prefeitura comunicando unilateralmente que seria dado início à ampliação da referida avenida para a implantação da TRANSOESTE, uma das principais obras viárias previstas para os Jogos Olímpicos de 2016, e que os donos dos estabelecimentos comerciais teriam cinco dias para desocupar o local.
Cabe ressaltar que a notificação não veio munida de qualquer outro documento oficial que esclarecesse a motivação da conduta municipal, como também a ausência de qualquer outra informação aos moradores por parte dos agentes da prefeitura. Outrossim, o prazo fornecido, de apenas 05 (cinco) dias, não pode ser considerado prazo razoável para que pudessem exercer seu direito ao contraditório e ampla defesa, violando assim a garantia ao devido processo legal.
Em uma medida drástica como o deslocamento ou reassentamento de um número considerável de pessoas, por maior que seja o interesse público envolvendo a questão, é fundamental que seja observado os princípios da publicidade, da participação, da gestão democrática da cidade e da indenização justa, além das garantias do devido processo legal e acesso à justiça, conforme é exigido pela própria normativa interna.
Foi informado aos moradores que seriam negociadas apenas indenizações referentes a construções residenciais, mas que não haveria nenhuma indenização para os diversos estabelecimentos comerciais que funcionam há anos (alguns há mais de uma década), apesar do Decreto Municipal 20.454 de 2001 determinar que, no caso de remoção de estabelecimento comercial: “Ao proprietário de edificação de uso exclusivamente comercial ou institucional será ofertada uma nova unidade comercial, indenização ou compra de outra benfeitoria sujeitas aos mesmos critérios definidos para as edificações de uso residencial, previstos em projetos da SMH. Essa diferenciação trouxe ainda mais dificuldade para que os proprietários destes estabelecimentos conseguissem salvaguardar seus direitos.
Ocorre que, no dia 30 de julho, segundo os moradores, fiscais da Prefeitura, sem apresentar qualquer identificação, fizeram ameaças aos proprietários de unidades comerciais. Anunciaram, naquela oportunidade, que as permissões de uso seriam revogadas imediatamente. No mês seguinte agentes do poder público municipal, identificados pelos coletes referentes à Secretaria Municipal de Habitação e subprefeitura da Barra da Tijuca, utilizando tinta de “spray”, marcaram e numeraram várias casas e unidades comerciais com as iniciais “SMH” e um “C”, nos casos dos últimos, agindo sem autorização dos moradores e violando seu direito à propriedade.
Defronte o curso dos acontecimentos, moradores procuraram pela primeira vez a Defensoria Pública, que oficiou o Ilmo. Sr. Prefeito Eduardo Paes e o Exmo. Sr. Procurador Geral do município solicitando cópia de eventual decreto expropriatório e vista do processo administrativo, além de informações sobre as negociações e propostas da prefeitura aos moradores. No entanto, não houve qualquer resposta ou outra manifestação de ambos os oficiados.
Seguindo o roteiro de violações ao direito coletivo à participação, a Audiência Pública na Câmara dos Vereadores, que seria realizada no dia 16 de setembro de 2010, destinada a discutir o procedimento de desapropriação e reassentamento decorrentes da implantação dos Corredores BRTS – Bus Rapid Transit Transoeste e Transcarioca - foi cancelada devido à ausência de representantes da Prefeitura, não atingindo quórum mínimo para sua realização.
Vereadores informaram para os presentes que os comunicados de não comparecimento pelas Secretarias Municipais de Transporte e Obras foram enviados à Câmara na véspera, em horário noturno. Centenas de moradores de diversas comunidades, que se deslocaram de diversos pontos da cidade, até a Casa Legislativa, ficaram perplexos com a não realização da Audiência Pública. Como é de conhecimento geral, a Audiência Pública constitui importante e notório instrumento destinado à garantia do direito à participação popular e à gestão democrática da cidade.
Posteriormente, foi realizada uma reunião com o subprefeito da Barra da Tijuca – Thiago Mohamed, no dia 28 de setembro de 2010, na Secretaria Municipal de Habitação.Participaram do encontro, alguns representantes da comunidade Restinga e de outras comunidades afetadas pelas obras da TRANSOESTE. Ocorre que, sem maiores informações, foi esclarecido que seria agendada nova reunião para tratar especificamente de indenizações das unidades residenciais, comerciais e mistas. Mais uma vez, o Poder Público criou uma expectativa legítima nos moradores de que seria iniciada uma via de negociação, mas, até o momento, não agendou a referida reunião.
Ocorre que, sem qualquer aviso prévio, e sem que fosse conferido prazo razoável para maiores providências, no dia 22 de outubro de 2010, por volta das 08 horas da manhã,os comerciantes foram surpreendidos pela presença de servidores do Município, agentes da Guarda Municipal, Polícia Civil e Militar, além de tratores e aparato utilizado para demolição de construções, conforme narrado por Michel, morador e comerciante
estabelecido no local.
Com isso, os imóveis (unidades mistas – comerciais e moradias) começaram a ser demolidos sem a prévia realocação ou indenização, conforme exige a legislação nacional (3 Quanto à relocação, a Lei Orgânica Municipal da Cidade do Rio de Janeiro, disponível em <http://www2.rio.rj.gov.br/pgm/leiorganica/leiorganica.html>); sem acesso ao processo administrativo e sem tempo razoável para que fosse exercido o direito ao contraditório e a ampla defesa.
Os moradores da Comunidade Restinga nunca tiveram acesso, nem mesmo através dos ofícios expedidos pela Defensoria Pública, a qualquer procedimento administrativo que contivesse a motivação dos atos praticados, informações sobre a realocação e eventuais indenizações propostas, critérios de avaliação dos imóveis, bem como informações gerais sobre a intervenção urbanística que está sendo realizada.
Quanto à indenização prévia em casos de desapropriação, a Constituição Federal, disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituiçao.htm>, assim o exige em seu art. 5º, XXIV, e art. 182, §3º.
Como conseqüência das inúmeras denúncias de violações de direitos ligados a questão da moradia, membros da Anistia Internacional fizeram uma série de visitas às comunidades ameaçadas de remoção, incluindo a comunidade da Restinga, no dia 23 de setembro, momento em que puderam ouvir os relatos dos moradores.
Na visita, em uma assembléia com centenas de moradores da Restinga, os membros da Anistia Internacional ouviram denúncias sobre a total falta de informação, transparência e publicidade com relação ao processo de deslocamento das famílias atingidas pela intervenção municipal.
Com efeito, no dia 29 de outubro de 2010 a Anistia Internacional, com escritório em Londres, emitiu nota (“urgent action”) relatando o risco iminente de deslocamento forçado da comunidade Restinga, sem a observância da legislação nacional e internacional sobre a matéria.
Mesmo com uma Ação Civil Pública ajuizada pela Defensoria Pública do Estado ainda pendente na justiça, e com a manifestação de repúdio da Anistia Internacional, no decorrer do mês de novembro e dezembro as ações arbitrárias e truculentas da Administração Pública resultaram em mais demolições e deslocamentos forçados dos moradores da Restinga, principalmente dos imóveis comerciais-habitacionais.
No dia 17 de dezembro, a Prefeitura realizou novas demolições nesta comunidade, desta vez de casas não negociadas e comércios. A Prefeitura havia conseguido suspender a liminar que proibia as demolições na noite de quinta-feira, dia 16 de dezembro, e na manhã do dia seguinte compareceram na Restinga, sem ter efetuado nenhuma espécie de notificação prévia, para expulsar os moradores do local. A derrubada apenas não foi de toda a comunidade devido ao fato da Defensoria ter conseguido liminarmente suspender as demolições.
A relatora especial da ONU para o direito à moradia adequada, Raquel Rolnik, escreveu em seu blog pessoal sobre o fato relatando: 4 Vide <http://www.br.amnesty.org/?q=node/1079>. 5 Vide <http://oglobo.globo.com/rio/mat/2010/12/16/transoeste-liminares-impedem-demolicao-de-210-casas-lojas-em-favelas-na-avenida-das-americas-no-tracado-do-brt-923311237.asp>
“Sem muito efeito, na madrugada do dia 17 para o dia 18 policiais arrombaram casas expulsando as famílias e ameaçando todos de prisão. Muitos descrevem as cenas como a de uma batalha: roupas, objetos pessoais, malas, tudo jogado nochão na beira da via por onde trafegam continuamente caminhões, automóveis eagora pessoas sem um lugar para onde ir ou voltar.”6Em virtude destas demolições, diversas famílias ficaram sem nenhum amparo ouapoio por parte do Poder Público, pois após a derrubada das casas nenhuma solução imediata lhes foi oferecida. As pessoas foram jogadas na rua e algumas das famílias, que não possuíam outro local para onde ir, acabaram dormindo com seus filhos na rua até que recebessem a indenização da Prefeitura - indenização esta que foi unilateralmente determinada pelo Poder Público, sem a possibilidade prévia de discussão.O caso das crianças é especialmente complicado, pois elas estavam matriculadas em escolas próximas à comunidade e com a derrubada de suas casas tiveram que se mudar para locais muito distantes de onde estudavam, fazendo com que perdessem aulas e inclusive,em alguns casos, o próprio ano letivo.
Num outro caso, relatado por um dos moradores, uma família resistia junto a seus filhos no interior da casa, no que uma das agentes da Prefeitura afirmou que, se não saísse da casa com seus pertences e filhos, estes seriam levadas dela para um abrigo. Frente a tal ameaça, evidentemente a família recuou e aceitou desocupar a casa e retirar seus objetos da residência. Neste dia, os relatos mais dramáticos são os dos moradores responsáveis pela mobilização da comunidade em resistir aos ataques da Prefeitura: Michel, Altair e Francisca. Suas casas foram as primeiras a serem buscadas pela Prefeitura para realizar a demolição e não foram os primeiros a cair apenas pelo fato de terem resistido. Segundo Michel, os funcionários da Prefeitura lhe informaram que o subprefeito havia dito que seria questão de honra derrubar suas casas.
6 Vide <http://raquelrolnik.wordpress.com/2010/12/21/olimpiadas-truculentas/>
Michel possuía um comércio de reparação de automóveis e vivia nos fundos de sua loja. A Prefeitura, porém, marcou o local apenas como comércio. Anteriormente lhe haviam dito que iriam remarcar o local na segunda-feira, dia 13 de dezembro, porém no dia 17 realizaram a demolição de tudo, loja e residência, e nem mesmo lhe foi dado o tempo necessário para retirar todo seu equipamento de trabalho do interior do local. A Prefeitura lhe informou que não haveria mais jeito e que ele não teria direito a nenhuma indenização. Francisca se amarrou no portão de sua casa às onze horas da manhã para evitar a demolição de seu comércio e sua residência. A parte da frente de sua marcenaria já havia sido demolida anteriormente e no dia
17 de dezembro a Prefeitura realizou a derruba de todo o restante, deixando Francisca sem residência e sem sua fonte de renda, indenizando apenas em relação à casa, sem discussão nenhuma do valor e deixando todo seu equipamento de trabalho na rua.
Quando foi receber seu dinheiro, a Prefeitura lhe informou que, para que lhe fosse de fato entregue o valor, ela teria que assinar um termo abdicando de qualquer direito de apresentar uma posterior demanda administrativa ou judicial contestando o valor pago.Devido à difícil situação econômica que se encontrou Francisca com a derrubada de seu local de trabalho, Francisca se viu obrigada a ceder à coação e aceitar o valor.Altair ficou dentro de sua casa para evitar sua derrubada. A polícia ameaçou-o com prisão e proibiu a defensora pública presente de entrar no local, apesar do próprio morador haver pedido que a mesma entrasse.Nenhuma das vítimas teve qualquer espécie de indenização prévia, conforme exige a Constituição Federal7, tendo sido apenas informados de que deveriam comparecer na Prefeitura na semana seguinte para receber a indenização. Como o evento se deu na sexta feira,os moradores compareceram na segunda-feira da semana seguinte para receber os valores, no que foram informados que deveriam voltar mais tarde. Assim, alguns conseguiram obter a indenização na quarta-feira seguinte, outros na quinta-feira e outros ainda não foram ressarcidos.
A Defensoria Pública rapidamente tentou dar uma resposta à questão e compareceu ao Judiciário para buscar suspender estas demolições arbitrárias. Em resposta, os próprios funcionários da Prefeitura, ciente de que havia a possibilidade de que a Defensoria conseguisse parar as demolições, passaram. eles mesmo, a arrombar as portas e retirar os pertences dos moradores, colocando-os em sacos de lixo e caminhões de obra.É importante notar que todas estas derrubadas se dão antes que a Ação Civil Pública proposta pela Defensoria Pública tenha seu mérito apreciado pelo Poder Judiciário. É apenas a propositura de ações emergenciais por parte da Defensoria que impede a demolição imediata de todas as referidas comunidades, pois, mesmo com ação judicial pendente, o pressuposto é que o Estado estaria agindo corretamente e que não haveria nenhum problema em expulsar as pessoas de suas casas desrespeitando a ordem jurídica interna e a forma determinada por lei para que esta tipo de ação pública ocorra. 7 Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituiçao.htm>. Vide art. 5º, XXIV, e art. 182, §3º.
A Comunidade da Restinga possui em torno de dez casas já marcadas, mas ainda não demolidas, e apenas não foram ainda derrubadas pelo fato de que a liminar obtida pela Defensoria Pública ainda não foi derrubada. Segundo os moradores, os agentes da Prefeitura alegaram que assim que esta liminar cair, imediatamente comparecerão para terminar as demolições, nos mesmos moldes dos fatos acima narrados.Enquanto isso, a Prefeitura não realiza uma limpeza adequada do local e deixa os destroços que a demolição gerou no local, produzindo uma área de risco através da ação do próprio poder público, que deveria evitá-lo.
VILA RECREIO II
A Comunidade denominada Vila Recreio II localiza-se às margens da Av. das Américas. Inicialmente era formada por duzentas e trinta e oito famílias. Contudo, diante da atuação do Estado, mais de cento e sessenta famílias já deixaram a área litigiosa e suas casas foram demolidas. Hoje, a comunidade é formada apenas pela parcela remanescente,totalizando 53 famílias, sendo certo que estas são de baixa renda que residem e trabalham no local há mais de 40 anos.Há mais de cinco anos, as famílias vêm sendo assediadas e ameaçadas pelos prepostos da Prefeitura, no que foi iniciado um processo judicial pela Defensoria Pública em 2005 visando proteger a comunidade de possíveis remoções arbitrárias.
Neste período ainda, a comunidade, assim como outras 28 da região, ganharam o direito de serem regularizadas e urbanizadas, como afirmado acima, ao serem incluídas no chamado Plano de Estruturação Urbana das Vargens (PEU das Vargens) como Áreas de Especial Interesse Social, assim como determina a legislação, entre outras, presente no Estatuto das Cidades. Além disso, em maio de 2010, a Secretaria de Habitação Estadual e oInstituto de Terras e Cartografia do Estado iniciaram um amplo processo de regularização de comunidades também na região, inclusive na Vila Recreio II. Enviaram topográfos e outros profissionais, iniciando os procedimentos necessários para regularização, embora não tenham dado continuidade. Uma funcionária do Iterj informaria, diante de um questionamento de um dos moradores, que o processo de regularização ainda estava em aberto e que não entendia a ação de demolição empreendida pela prefeitura, feita sem consulta ao órgão estadual.
Contudo, e por acaso, em junho de 2010, os moradores ficaram sabendo de uma reunião que seria realizada na Região Administrativa do bairro do Recreio dos Bandeirantes sobre as obras do Túnel da Grota Funda, uma das intervenções previstas para a Transoeste que, entre outras coisas prevê a duplicação da Avenida das Américas. Importante destacar que nem naquela época, nem posteriormente os moradores da comunidade tiveram acesso ao projeto, muito menos que destino teriam a partir do início das obras.Ficaram sabendo num momento posterior que cerca de 60 casas ficariam dentro da área a ser utilizada para a intervenção urbanística, portanto, não o conjunto da comunidade.Nesta reunião, para a qual os moradores não foram convidados, um dos presentes perguntou sobre as comunidades da região e que seriam afetadas pela obra. Representantes da subprefeitura (além de um vereador presente e um engenheiro da empresa responsável pela obra) disseram que não havia comunidade no traçado do trajeto e que algumas casas que existem já "estariam resolvidas" há muito tempo. O vereador que ajudou a organizar a reunião teria se comprometido a colaborar no sentido de impedir que houvesse algum entrave, pois a situação das comunidades do local não iria interferir no andamento do projeto.
Moradores que foram a esta reunião pediram o contato do subprefeito, que se recusou a dar. Após dois meses, já em setembro, o subprefeito entrou em contato com os moradores e marcou uma reunião. No dia desta, disse que se quisesse, no dia seguinte ele poderia passar por cima da comunidade e que estava conversando apenas para avisar o que ocorreria, mas que sabia dos "direitos da prefeitura". Alertou os moradores de que não deveriam chamar aliados, movimentos sociais e a Defensoria Pública, pois isso seria um "tiro do pé". Esta seria a única reunião com os moradores da Vila Recreio II.
Na primeira reunião, a única realizada exclusivamente com os moradores, o subprefeito havia oferecido como opções uma nova casa, a compra assistida e indenização.Contudo, em uma reunião realizada a pedido de movimentos sociais e a Defensoria Pública,disse não ser possível a compra assistida e imediatamente surgiram casas prontas no bairrode Campo Grande.
O processo de despejo se iniciaria logo depois. Inicialmente, chegaram supostas assistentes sociais, alegando a realização de cadastro para programas sociais, como o Bolsa Família. Esta pessoas andaram pela comunidade e posteriormente descobriu-se que apenas uma delas era assistente social e que as outras restantes eram da Secretaria Municipal de Habitação, mas não se identificaram enquanto tal. Após isso, em outro dia, homens que haviam acompanhado as supostas assistentes sociais e representantes da subprefeitura local foram medir, fotografar e marcar, com spray, as casas das pessoas. Quando os moradores questionaram a marcação sem aviso prévio, os representantes da prefeitura partiram para as ameaças. Diziam que, se os moradores não permitissem a entrada em suas casas, estas seriam avaliadas a partir de estimativas visuais, baseadas apenas nas fotos externas e que,por isso, ganhariam pouco em indenização.
Em outros casos, mais graves, os funcionários da prefeitura intimidavam apontando que, se os moradores não colaborassem, eles não ganhariam nada e o "trator passará em cima de sua casa de qualquer maneira. Vai passar por cima mesmo". Além do mais, estas ameaças eram feitas ora por pessoas identificáveis, ora não, já que muitas vezes os que diziam ser da prefeitura não apareciam com identificação e, quando questionados, não gostavam de informar seus nomes. É importante destacar que o tom das ameaças apenas foi se intensificando, chegando inclusive a agreções físicas como apontado mais abaixo.
A estas famílias foi oferecido um valor ínfimo a título de indenização por suas casas de alvenaria e construídas ao longo dos anos com tanto sacrifício. Embora os moradores reconheçam a utilidade de uma obra como esta e da consequente saída de algumas famílias do local, questionam a truculência como isto é feito, a falta de oferta e discussão coletiva sobre alternativas, como as que determina a legislação municipal e nacional, bem como pleiteiam, nos casos em que seja necessário, uma indenização justa e um prazo razoável para a desocupação voluntária após recebimento do valor.
Cumpre esclarecer que a prefeitura informou verbalmente aos moradores que seriam utilizados somente 26 (vinte e seis) metros contados da frente para a parte interna da Comunidade, demarcando somente as casas que ficassem neste perimetro. Contudo, no dia08 de dezembro, agentes da subprefeitura da Barra da Tijuca e Jacarepaguá, marcariam o restante das casas da comunidade, com ameaças de retirarem imediatamente e com a utilização da força os moradores e suas casas. Quando os funcionários da subprefeitura e da prefeitura foram questionados sobre o fato de que a área inicialmente reservada para a realização da obra já havia sido demarcada e não havia necessidade de retirar o restante da comunidade, estes mesmos funcionários alegaram que não sabiam. Afirmam que apenas cumprem ordens, enquanto a Secretaria de Habitação e a Subprefeitura nada informam quanto a isso.
As casas foram marcadas com tinta "spray" com a inscrição "SMH", da mesma forma que ocorreu na situação acima descrita quanto à Restinga e à própria comunidade. Os agentes municipais, especialmente os da subprefeitura local, de forma impositiva e amedrontadora, informariam que no dia 15 de dezembro iniciariam os trabalhos de remoção e derrubada das casas dos demais moradores, mesmo daqueles que ainda não tivessem algum tipo de acordo com a prefeitura.
Porém, já no dia 10 de dezembro, funcionários da Prefeitura compareceram na comunidade para realizar e demolições, agindo com truculência e agredindo moradores8, conforme foi registrado em vídeo por participantes da resistência9.
Em virtude deste fato, a Defensoria Pública ingressou com uma Ação Civil Pública para evitar novas demolições no dia 13 de dezembro, conseguindo um decisão liminar publicada no dia subsequente determinando que “Considerando-se a definitividade do ato demolitório, impõe a concessão parcial da medida liminar a fim de que o réu se abstenha de praticar qualquer ato tendente à derrubada dos imóveis até a manifestação do Município no prazo de 72 (setenta e duas) horas, devendo informar a que título os moradores estão sendo retirados do local, vindo-me conclusos após, para reapreciação da restrição ora imposta”. Porém, no mesmo dia, por volta das 18:00, a Prefeitura realizou a demolição sumária da casa de um dos moradores da comunidade. Quando estes apresentaram uma cópia da decisão já proferida, os funcionários responderam que aquele seria apenas “um pedaço de papel” e que compareceriam depois para a demolição das demais casas. Três dias depois, dia 17, demoliram mais casas daqueles que aceitaram a proposta habitacional.
Apesar da decisão citada acima determinar que a Prefeitura explique em maiores detalhes o motivo das remoções, como seria a apresentação do projeto urbanístico, até o momento o Município não esclareceu como será realizado o procedimento de desapropriação da área e sequer apresentou eventual decreto expropriatório declarando ser a área de utilidade pública. Percebe-se que o Estado quer realizar uma “desapropriação” informal, não adotando o procedimento legal para a hipótese.
8 Vide <http://www.redecontraviolencia.org/Noticias/776.html>. 9 Vide <<http://www.youtube.com/watch?v=jjAzQzLvLgI>>
O dano causado pela remoção das famílias e demolição de suas casas é de difícil reversão, e dificilmente será compensado com eventual pagamento de indenização.
VILA HARMONIA
Nos últimos meses, em virtude da obra mencionada acima, o subprefeito da região que engloba o Recreio dos Bandeirantes, Thiago Mohamed, juntamente com seus assessores e demais funcionários da Prefeitura, passaram a comparecer na comunidade, pressionando os moradores a sair do local, sob a ameaça de que, se no o fizessem, perderiam suas propriedades sem nenhum tipo de indenização.
Segundo um relato da própria comunidade “vieram com mentiras e pressão psicológica sobre os moradores, usando assistentes sociais para cadastros, invadindo nosso lar com crianças e sem um termo legal que os permitisse isso, burlando a lei e até se munindo da polícia militar e pressionando-nos a sair com ameaças de derrubar a casa com as pessoas dentro, de retirar a força e as pessoas que não aceitarem sua indenização
irrisória, não vão ganhar nada”. No início de agosto deste ano, conforme depoimento do morador Sérgio Luiz Romano Campos, “que no início do mês de agosto do corrente ano, agentes da prefeitura chegaram na Vila Harmonia para fazer um cadastro socioeconômico, falando que os moradores eram ‘invasores’ (...) que depois, agentes da Secretaria Municipal de Habitação chegaram 3 dias após o cadastramento para marcar as
casas com ‘spray’, medindo e tirando fotografias; que não prestaram qualquer informação ‘sobre a atuação”
A fala expressa a prática discriminatória, já mencionada, utilizada pelo Estado para ameaçar os moradores destas comunidades e coagi-los a sair de suas casas, a marcação das casas escolhidas para demolição, com tinta “spray”, escrevendo a sigla da Secretaria Municipal de Habitação e o número sob o qual foi cadastrada a casa. Ademais, nota-se que, no caso dos comércios os agentes estatais colocam um ‘C’, pois estas construções não são indenizadas. Sob a alegação de que apenas estariam obrigados a indenizar as construções utilizadas para moradia, a Prefeitura vem se recusando a pagar qualquer reparação pela demolição e retiradas dos comércios existentes no local.
Na fala do morador Thiago Giecht: “no início de outubro os agentes do poder público municipal anunciaram que derrubariam todas as casas, mesmo aquelas que não haviam sido negociadas, ameaçando que quem não firmasse acordo com a Prefeitura seria deslocado para um abrigo; (...) desde então, quando iniciaram as ameaças, as visitas passaram a ser feitas com o apoio policial”. Em virtude das ameaças e pressões realizadas pelos agentes do Estado, parte das famílias acabou por aceitar o “acordo” imposto pela Prefeitura e se retirou da localidade. Apenas uma parte do moradores optou por permanecer nas suas residências e lutar para garantir sua propriedade e o direito à moradia. Assim, buscaram o apoio da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, que no dia 11 de novembro de 2010 enviou um ofício à Secretaria Municipal de Habitação, assim como às secretarias de obras, de urbanismo e subprefeitura da Barra da Tijuca, requisitando informações acerca da obra a ser realizada na localidade que, segundo as alegações dos agentes estatais, exigiria a retirada da comunidade da Vila Harmonia.
Entretanto até a presente data não há nenhuma resposta foi dada. Inclusive já havia decisão judicial do dia 28 de outubro de 2010 determinando que a autoridade competente apresentasse uma “descrição detalhada da intervenção urbanística prevista para o local”. Porém, esta não foi cumprida pela municipalidade. Portanto, a informação que deveria ser acessível ao moradores, expondo o projeto que demandaria sua retirada, foi negada a eles, que passam a ter como única fonte de informações sobre o projeto a ser realizada os agentes da prefeitura que ameaçam (muitas vezes com a utilização da força policial) os moradores de remoção. Aos moradores é negada, frequente e sistematicamente, o acesso às informações, ao que ocorrerá com eles, e principalmente a possibilidade de discutir e participar sobre o seu destino.
A Prefeitura apenas oferece duas opções aos moradores, como aliás, faz em relação a todas as outras comunidades: aceitar mudar-se para uma casa ou apartamento em conjuntos nos bairros de Campo Grande e Cosmos (localidades mais de trinta quilômetros distantes da residência atual dos moradores, com péssima infraestrutura e serviços públicos, como transporte e escolas) ou uma indenização decidida pela Prefeitura, sem a possibilidade de efetiva negociação.
A Lei Orgânica Municipal do Rio de Janeiro10 determina que a remoção de moradores apenas é possível quando há risco de vida de seus habitantes e estabelece a forma como esta remoção pode ser realizada, exigindo, em seu artigo 429, a “participação da comunidade interessada e das entidades representativas na análise e definição das soluções” e “assentamento em localidades próximas dos locais da moradia ou do trabalho, se necessário o remanejamento”. O mesmo consta na Constituição Estadual do Estado do Rio de Janeiro11, que em seu art. 234 também limita a remoção apenas aos casos nos quais “as condições físicas da área imponham risco à vida de seus habitantes” e garantindo a “participação ativa das entidades representativas no estudo, encaminhamento e solução dos problemas, planos, programas e projetos que lhes sejam concernentes”. Nenhuma destas exigências vem sendo cumpridas.
Segundo os moradores que se organizaram para resistir ao despejo forçado, foi proposto à Prefeitura a realização de uma negociação coletiva, envolvendo todos os moradores da comunidade para que se pudesse chegar a uma solução satisfatória. Entretanto, a Prefeitura se recusou a realizar esta discussão, optando por negociações individuais, como forma de pressionar os membros da comunidade, facilitando assim sua retirada.
No dia 27 de outubro de 2010, funcionários da Prefeitura foram até a Vila Harmonia e distribuíram um ofício a alguns comerciantes declarando que estes ficariam obrigados a “no prazo máximo de 0 dia(s) a contar do recebimento deste, DESOCUPAR ÁREA DE LOGRADOURO PÚBLICO - ÁREA RESERVADA A TREVO”. Isto significa que a Prefeitura nem mesmo deu aos proprietários um prazo razoável para retirar seus pertences das construções e buscar um local adequado para alocá-los.
Em virtude da arbitrariedade desta decisão, a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro ingressou com ação emergencial visando impedir estas demolições, no que logrou a decisão favorável do dia 28 de outubro anteriormente mencionada. Após este fato a Prefeitura iniciou a demolição das casas negociadas, aqueles que
sucumbiram às pressões e ameaças realizadas pelo Poder Público, porém, na prática, tampouco respeitaram o direito dos demais proprietários. Mesmo no caso das casas negociadas a atuação do Poder Público é arbitrária. A parte final da negociação é realizada enquanto a comunidade já está ocupada pelas máquinas de demolição. Os proprietários já haviam aceitado a indenização previamente, no que a Prefeitura marcou um dia para que estes comparecessem para receber um cheque do valor. No momento em que recebem o cheque no órgão oficial designado, a Prefeitura entra em contato com a equipe de demolição que imediatamente inicia a derrubada da casa, impedindo que o morador possa voltar atrás, devolver os valores e recuperar sua casa.
Conforme narra Thiago Giecht, em seu depoimento do dia 15 de novembro de 2010, no dia 19 de novembro iniciaram a demolição da casa de sua avó, que, porém, não havia realizado nenhuma negociação. Os agentes da Prefeitura alegaram que a casa constava como negociada, pois o relógio de luz estaria desligado. A partir da casa de sua avó, foi feita uma extensão para a moradia de seu enteado e duas sobrinhas, tendo estes negociado a casa e autorizado sua derrubada, porém tal não incluía a casa da avó de Thiago. A casa apenas não foi derrubada pois os moradores da comunidade fizeram um cordão humano ao redor da mesma, protegendo-a.
Apesar de apresentar comprovantes de que a casa pertencia a sua avó e de que a negociação em relação à extensão não incluiria a primeira, os funcionários realizaram a demolição com apoio da força policial. Thiago ainda relata que “a avó do depoente, ao ver sua casa sendo descaracterizada, começou a passar mal, sendo levada depois para o hospital por vizinhos e amigos, haja vista que os policiais e agentes da subprefeitura se recusaram a prestar apoio”.
Segundo Thiago, no dia 30 de novembro fato semelhante ocorreu e a Prefeitura novamente derrubou uma residência para a qual não havia acordo prévio. De acordo com os moradores do local, a demolição ainda não foi de toda a comunidade pelo fato de que há uma liminar pendente da Defensoria Pública impedindo as
demolições. Os agentes estatais lhe informaram que a partir do mês de Janeiro de 2011, a Prefeitura estaria trabalhando ativamente para derrubar esta liminar e demolir toda a comunidade, repetindo o caso já ocorrido na Restinga, onde a cassação da liminar na noite do dia 16 de dezembro levou à maior operação de derrubada naquela comunidade, sendo suspensa madrugada do dia 18 de dezembro através da atuação da Defensoria. Enquanto isso, os funcionários da Prefeitura continuam comparecendo na comunidade, ameaçando os moradores e tentado coagi-los a deixar suas casas. Os moradores da comunidade, para manter um registro destes fatos, passaram a filmar alguns destes casos, como o comparecimento de agentes da Prefeitura no dia 01 de dezembro para cortar a luz de um morador12.
A partir do dia 15 de dezembro começou uma nova onda de demolições e arbitrariedades por parte dos agentes públicos. Neste dia, a Prefeitura notificou alguns moradores da Vila Harmonia que estes deveriam desocupar seus imóveis no prazo imediato, em virtude de um edital já havia sido atacado pela Defensoria anteriormente, conseguindo a suspensão da demolição de alguns comércios na localidade.
12 Vide <http://www.youtube.com/watch?v=5g2GpFqQsKQ>
Buscando reverter a situação, a Defensoria Pública ingressou com uma ação emergencial para barrar as demolições. Em primeira instância, o pedido foi negado, porém conseguiram êxito através de um agravo de instrumento, recurso utilizado para atacar decisões não-definitivas tomadas no curso de um processo.
Quando foi receber seu dinheiro, a Prefeitura lhe informou que, para que lhe fosse de fato entregue o valor, ela teria que assinar um termo abdicando de qualquer direito de apresentar uma posterior demanda administrativa ou judicial contestando o valor pago.Devido à difícil situação econômica que se encontrou Francisca com a derrubada de seu local de trabalho, Francisca se viu obrigada a ceder à coação e aceitar o valor.Altair ficou dentro de sua casa para evitar sua derrubada. A polícia ameaçou-o com prisão e proibiu a defensora pública presente de entrar no local, apesar do próprio morador haver pedido que a mesma entrasse.Nenhuma das vítimas teve qualquer espécie de indenização prévia, conforme exige a Constituição Federal7, tendo sido apenas informados de que deveriam comparecer na Prefeitura na semana seguinte para receber a indenização. Como o evento se deu na sexta feira,os moradores compareceram na segunda-feira da semana seguinte para receber os valores, no que foram informados que deveriam voltar mais tarde. Assim, alguns conseguiram obter a indenização na quarta-feira seguinte, outros na quinta-feira e outros ainda não foram ressarcidos.
A Defensoria Pública rapidamente tentou dar uma resposta à questão e compareceu ao Judiciário para buscar suspender estas demolições arbitrárias. Em resposta, os próprios funcionários da Prefeitura, ciente de que havia a possibilidade de que a Defensoria conseguisse parar as demolições, passaram. eles mesmo, a arrombar as portas e retirar os pertences dos moradores, colocando-os em sacos de lixo e caminhões de obra.É importante notar que todas estas derrubadas se dão antes que a Ação Civil Pública proposta pela Defensoria Pública tenha seu mérito apreciado pelo Poder Judiciário. É apenas a propositura de ações emergenciais por parte da Defensoria que impede a demolição imediata de todas as referidas comunidades, pois, mesmo com ação judicial pendente, o pressuposto é que o Estado estaria agindo corretamente e que não haveria nenhum problema em expulsar as pessoas de suas casas desrespeitando a ordem jurídica interna e a forma determinada por lei para que esta tipo de ação pública ocorra. 7 Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituiçao.htm>. Vide art. 5º, XXIV, e art. 182, §3º.
A Comunidade da Restinga possui em torno de dez casas já marcadas, mas ainda não demolidas, e apenas não foram ainda derrubadas pelo fato de que a liminar obtida pela Defensoria Pública ainda não foi derrubada. Segundo os moradores, os agentes da Prefeitura alegaram que assim que esta liminar cair, imediatamente comparecerão para terminar as demolições, nos mesmos moldes dos fatos acima narrados.Enquanto isso, a Prefeitura não realiza uma limpeza adequada do local e deixa os destroços que a demolição gerou no local, produzindo uma área de risco através da ação do próprio poder público, que deveria evitá-lo.
VILA RECREIO II
A Comunidade denominada Vila Recreio II localiza-se às margens da Av. das Américas. Inicialmente era formada por duzentas e trinta e oito famílias. Contudo, diante da atuação do Estado, mais de cento e sessenta famílias já deixaram a área litigiosa e suas casas foram demolidas. Hoje, a comunidade é formada apenas pela parcela remanescente,totalizando 53 famílias, sendo certo que estas são de baixa renda que residem e trabalham no local há mais de 40 anos.Há mais de cinco anos, as famílias vêm sendo assediadas e ameaçadas pelos prepostos da Prefeitura, no que foi iniciado um processo judicial pela Defensoria Pública em 2005 visando proteger a comunidade de possíveis remoções arbitrárias.
Neste período ainda, a comunidade, assim como outras 28 da região, ganharam o direito de serem regularizadas e urbanizadas, como afirmado acima, ao serem incluídas no chamado Plano de Estruturação Urbana das Vargens (PEU das Vargens) como Áreas de Especial Interesse Social, assim como determina a legislação, entre outras, presente no Estatuto das Cidades. Além disso, em maio de 2010, a Secretaria de Habitação Estadual e oInstituto de Terras e Cartografia do Estado iniciaram um amplo processo de regularização de comunidades também na região, inclusive na Vila Recreio II. Enviaram topográfos e outros profissionais, iniciando os procedimentos necessários para regularização, embora não tenham dado continuidade. Uma funcionária do Iterj informaria, diante de um questionamento de um dos moradores, que o processo de regularização ainda estava em aberto e que não entendia a ação de demolição empreendida pela prefeitura, feita sem consulta ao órgão estadual.
Contudo, e por acaso, em junho de 2010, os moradores ficaram sabendo de uma reunião que seria realizada na Região Administrativa do bairro do Recreio dos Bandeirantes sobre as obras do Túnel da Grota Funda, uma das intervenções previstas para a Transoeste que, entre outras coisas prevê a duplicação da Avenida das Américas. Importante destacar que nem naquela época, nem posteriormente os moradores da comunidade tiveram acesso ao projeto, muito menos que destino teriam a partir do início das obras.Ficaram sabendo num momento posterior que cerca de 60 casas ficariam dentro da área a ser utilizada para a intervenção urbanística, portanto, não o conjunto da comunidade.Nesta reunião, para a qual os moradores não foram convidados, um dos presentes perguntou sobre as comunidades da região e que seriam afetadas pela obra. Representantes da subprefeitura (além de um vereador presente e um engenheiro da empresa responsável pela obra) disseram que não havia comunidade no traçado do trajeto e que algumas casas que existem já "estariam resolvidas" há muito tempo. O vereador que ajudou a organizar a reunião teria se comprometido a colaborar no sentido de impedir que houvesse algum entrave, pois a situação das comunidades do local não iria interferir no andamento do projeto.
Moradores que foram a esta reunião pediram o contato do subprefeito, que se recusou a dar. Após dois meses, já em setembro, o subprefeito entrou em contato com os moradores e marcou uma reunião. No dia desta, disse que se quisesse, no dia seguinte ele poderia passar por cima da comunidade e que estava conversando apenas para avisar o que ocorreria, mas que sabia dos "direitos da prefeitura". Alertou os moradores de que não deveriam chamar aliados, movimentos sociais e a Defensoria Pública, pois isso seria um "tiro do pé". Esta seria a única reunião com os moradores da Vila Recreio II.
Na primeira reunião, a única realizada exclusivamente com os moradores, o subprefeito havia oferecido como opções uma nova casa, a compra assistida e indenização.Contudo, em uma reunião realizada a pedido de movimentos sociais e a Defensoria Pública,disse não ser possível a compra assistida e imediatamente surgiram casas prontas no bairrode Campo Grande.
O processo de despejo se iniciaria logo depois. Inicialmente, chegaram supostas assistentes sociais, alegando a realização de cadastro para programas sociais, como o Bolsa Família. Esta pessoas andaram pela comunidade e posteriormente descobriu-se que apenas uma delas era assistente social e que as outras restantes eram da Secretaria Municipal de Habitação, mas não se identificaram enquanto tal. Após isso, em outro dia, homens que haviam acompanhado as supostas assistentes sociais e representantes da subprefeitura local foram medir, fotografar e marcar, com spray, as casas das pessoas. Quando os moradores questionaram a marcação sem aviso prévio, os representantes da prefeitura partiram para as ameaças. Diziam que, se os moradores não permitissem a entrada em suas casas, estas seriam avaliadas a partir de estimativas visuais, baseadas apenas nas fotos externas e que,por isso, ganhariam pouco em indenização.
Em outros casos, mais graves, os funcionários da prefeitura intimidavam apontando que, se os moradores não colaborassem, eles não ganhariam nada e o "trator passará em cima de sua casa de qualquer maneira. Vai passar por cima mesmo". Além do mais, estas ameaças eram feitas ora por pessoas identificáveis, ora não, já que muitas vezes os que diziam ser da prefeitura não apareciam com identificação e, quando questionados, não gostavam de informar seus nomes. É importante destacar que o tom das ameaças apenas foi se intensificando, chegando inclusive a agreções físicas como apontado mais abaixo.
A estas famílias foi oferecido um valor ínfimo a título de indenização por suas casas de alvenaria e construídas ao longo dos anos com tanto sacrifício. Embora os moradores reconheçam a utilidade de uma obra como esta e da consequente saída de algumas famílias do local, questionam a truculência como isto é feito, a falta de oferta e discussão coletiva sobre alternativas, como as que determina a legislação municipal e nacional, bem como pleiteiam, nos casos em que seja necessário, uma indenização justa e um prazo razoável para a desocupação voluntária após recebimento do valor.
Cumpre esclarecer que a prefeitura informou verbalmente aos moradores que seriam utilizados somente 26 (vinte e seis) metros contados da frente para a parte interna da Comunidade, demarcando somente as casas que ficassem neste perimetro. Contudo, no dia08 de dezembro, agentes da subprefeitura da Barra da Tijuca e Jacarepaguá, marcariam o restante das casas da comunidade, com ameaças de retirarem imediatamente e com a utilização da força os moradores e suas casas. Quando os funcionários da subprefeitura e da prefeitura foram questionados sobre o fato de que a área inicialmente reservada para a realização da obra já havia sido demarcada e não havia necessidade de retirar o restante da comunidade, estes mesmos funcionários alegaram que não sabiam. Afirmam que apenas cumprem ordens, enquanto a Secretaria de Habitação e a Subprefeitura nada informam quanto a isso.
As casas foram marcadas com tinta "spray" com a inscrição "SMH", da mesma forma que ocorreu na situação acima descrita quanto à Restinga e à própria comunidade. Os agentes municipais, especialmente os da subprefeitura local, de forma impositiva e amedrontadora, informariam que no dia 15 de dezembro iniciariam os trabalhos de remoção e derrubada das casas dos demais moradores, mesmo daqueles que ainda não tivessem algum tipo de acordo com a prefeitura.
Porém, já no dia 10 de dezembro, funcionários da Prefeitura compareceram na comunidade para realizar e demolições, agindo com truculência e agredindo moradores8, conforme foi registrado em vídeo por participantes da resistência9.
Em virtude deste fato, a Defensoria Pública ingressou com uma Ação Civil Pública para evitar novas demolições no dia 13 de dezembro, conseguindo um decisão liminar publicada no dia subsequente determinando que “Considerando-se a definitividade do ato demolitório, impõe a concessão parcial da medida liminar a fim de que o réu se abstenha de praticar qualquer ato tendente à derrubada dos imóveis até a manifestação do Município no prazo de 72 (setenta e duas) horas, devendo informar a que título os moradores estão sendo retirados do local, vindo-me conclusos após, para reapreciação da restrição ora imposta”. Porém, no mesmo dia, por volta das 18:00, a Prefeitura realizou a demolição sumária da casa de um dos moradores da comunidade. Quando estes apresentaram uma cópia da decisão já proferida, os funcionários responderam que aquele seria apenas “um pedaço de papel” e que compareceriam depois para a demolição das demais casas. Três dias depois, dia 17, demoliram mais casas daqueles que aceitaram a proposta habitacional.
Apesar da decisão citada acima determinar que a Prefeitura explique em maiores detalhes o motivo das remoções, como seria a apresentação do projeto urbanístico, até o momento o Município não esclareceu como será realizado o procedimento de desapropriação da área e sequer apresentou eventual decreto expropriatório declarando ser a área de utilidade pública. Percebe-se que o Estado quer realizar uma “desapropriação” informal, não adotando o procedimento legal para a hipótese.
8 Vide <http://www.redecontraviolencia.org/Noticias/776.html>. 9 Vide <<http://www.youtube.com/watch?v=jjAzQzLvLgI>>
O dano causado pela remoção das famílias e demolição de suas casas é de difícil reversão, e dificilmente será compensado com eventual pagamento de indenização.
VILA HARMONIA
Nos últimos meses, em virtude da obra mencionada acima, o subprefeito da região que engloba o Recreio dos Bandeirantes, Thiago Mohamed, juntamente com seus assessores e demais funcionários da Prefeitura, passaram a comparecer na comunidade, pressionando os moradores a sair do local, sob a ameaça de que, se no o fizessem, perderiam suas propriedades sem nenhum tipo de indenização.
Segundo um relato da própria comunidade “vieram com mentiras e pressão psicológica sobre os moradores, usando assistentes sociais para cadastros, invadindo nosso lar com crianças e sem um termo legal que os permitisse isso, burlando a lei e até se munindo da polícia militar e pressionando-nos a sair com ameaças de derrubar a casa com as pessoas dentro, de retirar a força e as pessoas que não aceitarem sua indenização
irrisória, não vão ganhar nada”. No início de agosto deste ano, conforme depoimento do morador Sérgio Luiz Romano Campos, “que no início do mês de agosto do corrente ano, agentes da prefeitura chegaram na Vila Harmonia para fazer um cadastro socioeconômico, falando que os moradores eram ‘invasores’ (...) que depois, agentes da Secretaria Municipal de Habitação chegaram 3 dias após o cadastramento para marcar as
casas com ‘spray’, medindo e tirando fotografias; que não prestaram qualquer informação ‘sobre a atuação”
A fala expressa a prática discriminatória, já mencionada, utilizada pelo Estado para ameaçar os moradores destas comunidades e coagi-los a sair de suas casas, a marcação das casas escolhidas para demolição, com tinta “spray”, escrevendo a sigla da Secretaria Municipal de Habitação e o número sob o qual foi cadastrada a casa. Ademais, nota-se que, no caso dos comércios os agentes estatais colocam um ‘C’, pois estas construções não são indenizadas. Sob a alegação de que apenas estariam obrigados a indenizar as construções utilizadas para moradia, a Prefeitura vem se recusando a pagar qualquer reparação pela demolição e retiradas dos comércios existentes no local.
Na fala do morador Thiago Giecht: “no início de outubro os agentes do poder público municipal anunciaram que derrubariam todas as casas, mesmo aquelas que não haviam sido negociadas, ameaçando que quem não firmasse acordo com a Prefeitura seria deslocado para um abrigo; (...) desde então, quando iniciaram as ameaças, as visitas passaram a ser feitas com o apoio policial”. Em virtude das ameaças e pressões realizadas pelos agentes do Estado, parte das famílias acabou por aceitar o “acordo” imposto pela Prefeitura e se retirou da localidade. Apenas uma parte do moradores optou por permanecer nas suas residências e lutar para garantir sua propriedade e o direito à moradia. Assim, buscaram o apoio da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, que no dia 11 de novembro de 2010 enviou um ofício à Secretaria Municipal de Habitação, assim como às secretarias de obras, de urbanismo e subprefeitura da Barra da Tijuca, requisitando informações acerca da obra a ser realizada na localidade que, segundo as alegações dos agentes estatais, exigiria a retirada da comunidade da Vila Harmonia.
Entretanto até a presente data não há nenhuma resposta foi dada. Inclusive já havia decisão judicial do dia 28 de outubro de 2010 determinando que a autoridade competente apresentasse uma “descrição detalhada da intervenção urbanística prevista para o local”. Porém, esta não foi cumprida pela municipalidade. Portanto, a informação que deveria ser acessível ao moradores, expondo o projeto que demandaria sua retirada, foi negada a eles, que passam a ter como única fonte de informações sobre o projeto a ser realizada os agentes da prefeitura que ameaçam (muitas vezes com a utilização da força policial) os moradores de remoção. Aos moradores é negada, frequente e sistematicamente, o acesso às informações, ao que ocorrerá com eles, e principalmente a possibilidade de discutir e participar sobre o seu destino.
A Prefeitura apenas oferece duas opções aos moradores, como aliás, faz em relação a todas as outras comunidades: aceitar mudar-se para uma casa ou apartamento em conjuntos nos bairros de Campo Grande e Cosmos (localidades mais de trinta quilômetros distantes da residência atual dos moradores, com péssima infraestrutura e serviços públicos, como transporte e escolas) ou uma indenização decidida pela Prefeitura, sem a possibilidade de efetiva negociação.
A Lei Orgânica Municipal do Rio de Janeiro10 determina que a remoção de moradores apenas é possível quando há risco de vida de seus habitantes e estabelece a forma como esta remoção pode ser realizada, exigindo, em seu artigo 429, a “participação da comunidade interessada e das entidades representativas na análise e definição das soluções” e “assentamento em localidades próximas dos locais da moradia ou do trabalho, se necessário o remanejamento”. O mesmo consta na Constituição Estadual do Estado do Rio de Janeiro11, que em seu art. 234 também limita a remoção apenas aos casos nos quais “as condições físicas da área imponham risco à vida de seus habitantes” e garantindo a “participação ativa das entidades representativas no estudo, encaminhamento e solução dos problemas, planos, programas e projetos que lhes sejam concernentes”. Nenhuma destas exigências vem sendo cumpridas.
Segundo os moradores que se organizaram para resistir ao despejo forçado, foi proposto à Prefeitura a realização de uma negociação coletiva, envolvendo todos os moradores da comunidade para que se pudesse chegar a uma solução satisfatória. Entretanto, a Prefeitura se recusou a realizar esta discussão, optando por negociações individuais, como forma de pressionar os membros da comunidade, facilitando assim sua retirada.
10 Disponível em <http://www2.rio.rj.gov.br/pgm/leiorganica/leiorganica.html>. Em especial o art.
429.
11 Disponível em <http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/constest.nsf/PageConsEst?OpenPage>. Em especial o
art. 234.
No dia 27 de outubro de 2010, funcionários da Prefeitura foram até a Vila Harmonia e distribuíram um ofício a alguns comerciantes declarando que estes ficariam obrigados a “no prazo máximo de 0 dia(s) a contar do recebimento deste, DESOCUPAR ÁREA DE LOGRADOURO PÚBLICO - ÁREA RESERVADA A TREVO”. Isto significa que a Prefeitura nem mesmo deu aos proprietários um prazo razoável para retirar seus pertences das construções e buscar um local adequado para alocá-los.
Em virtude da arbitrariedade desta decisão, a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro ingressou com ação emergencial visando impedir estas demolições, no que logrou a decisão favorável do dia 28 de outubro anteriormente mencionada. Após este fato a Prefeitura iniciou a demolição das casas negociadas, aqueles que
sucumbiram às pressões e ameaças realizadas pelo Poder Público, porém, na prática, tampouco respeitaram o direito dos demais proprietários. Mesmo no caso das casas negociadas a atuação do Poder Público é arbitrária. A parte final da negociação é realizada enquanto a comunidade já está ocupada pelas máquinas de demolição. Os proprietários já haviam aceitado a indenização previamente, no que a Prefeitura marcou um dia para que estes comparecessem para receber um cheque do valor. No momento em que recebem o cheque no órgão oficial designado, a Prefeitura entra em contato com a equipe de demolição que imediatamente inicia a derrubada da casa, impedindo que o morador possa voltar atrás, devolver os valores e recuperar sua casa.
Conforme narra Thiago Giecht, em seu depoimento do dia 15 de novembro de 2010, no dia 19 de novembro iniciaram a demolição da casa de sua avó, que, porém, não havia realizado nenhuma negociação. Os agentes da Prefeitura alegaram que a casa constava como negociada, pois o relógio de luz estaria desligado. A partir da casa de sua avó, foi feita uma extensão para a moradia de seu enteado e duas sobrinhas, tendo estes negociado a casa e autorizado sua derrubada, porém tal não incluía a casa da avó de Thiago. A casa apenas não foi derrubada pois os moradores da comunidade fizeram um cordão humano ao redor da mesma, protegendo-a.
Apesar de apresentar comprovantes de que a casa pertencia a sua avó e de que a negociação em relação à extensão não incluiria a primeira, os funcionários realizaram a demolição com apoio da força policial. Thiago ainda relata que “a avó do depoente, ao ver sua casa sendo descaracterizada, começou a passar mal, sendo levada depois para o hospital por vizinhos e amigos, haja vista que os policiais e agentes da subprefeitura se recusaram a prestar apoio”.
Segundo Thiago, no dia 30 de novembro fato semelhante ocorreu e a Prefeitura novamente derrubou uma residência para a qual não havia acordo prévio. De acordo com os moradores do local, a demolição ainda não foi de toda a comunidade pelo fato de que há uma liminar pendente da Defensoria Pública impedindo as
demolições. Os agentes estatais lhe informaram que a partir do mês de Janeiro de 2011, a Prefeitura estaria trabalhando ativamente para derrubar esta liminar e demolir toda a comunidade, repetindo o caso já ocorrido na Restinga, onde a cassação da liminar na noite do dia 16 de dezembro levou à maior operação de derrubada naquela comunidade, sendo suspensa madrugada do dia 18 de dezembro através da atuação da Defensoria. Enquanto isso, os funcionários da Prefeitura continuam comparecendo na comunidade, ameaçando os moradores e tentado coagi-los a deixar suas casas. Os moradores da comunidade, para manter um registro destes fatos, passaram a filmar alguns destes casos, como o comparecimento de agentes da Prefeitura no dia 01 de dezembro para cortar a luz de um morador12.
A partir do dia 15 de dezembro começou uma nova onda de demolições e arbitrariedades por parte dos agentes públicos. Neste dia, a Prefeitura notificou alguns moradores da Vila Harmonia que estes deveriam desocupar seus imóveis no prazo imediato, em virtude de um edital já havia sido atacado pela Defensoria anteriormente, conseguindo a suspensão da demolição de alguns comércios na localidade.
12 Vide <http://www.youtube.com/watch?v=5g2GpFqQsKQ>
Buscando reverter a situação, a Defensoria Pública ingressou com uma ação emergencial para barrar as demolições. Em primeira instância, o pedido foi negado, porém conseguiram êxito através de um agravo de instrumento, recurso utilizado para atacar decisões não-definitivas tomadas no curso de um processo.
Porém, entre a entrega da notificação e a obtenção de uma decisão favorável, a prefeitura tentaria continuar as demolições. No dia 15 de dezembro, por volta das 8hs da manhã, um grande aparato, que envolveu guardas municipais, agentes da subprefeitura local, equipamentos e operários contratados pela empresa responsável pelas obras da Transoeste, policiais militares e civis, inclusive armados, esteve na localidade. O
representante da subprefeitura responsável, amparado pelo chefe dos guardas municipais presentes, e por uma retroescavadeira que os seguiam começaram a entrar na comunidade.
Este agente da subprefeitura informaria que tinha ordens para realizar as demolições. Contudo, muitos moradores correram para a entrada da localidade e questionaram o referido funcionário. Disseram a ele que os moradores que não aceitaram negociar com a prefeitura, por considerar injustas as propostas e autoritária a forma de as colocarem, haviam conseguido um agravo que suspendia qualquer ação demolitória da prefeitura naquele local. Entretanto, o agente afirmou que nada sabia, recusou-se a receber a cópia que os moradores lhes entregaram contendo a decisão do desembargador do plantão judiciário e insistiu em entrar na comunidade.
Neste instante, os ânimos se alteraram, e os moradores fizeram um cordão humano na entrada da comunidade, inclusive com faixas que exigiam respeito aos seus direitos. Outros moradores ainda tentariam convencer os agentes da subprefeitura e o responsável dos guardas de que eles deveriam esperar o oficial de justiça chegar com a ordem que suspendia as demolições. Em vão. O chefe da guarda municipal afirmou que enquanto não tivesse um documento que apontava para a suspensão, iria cumprir, de qualquer forma, a ação de demolição. Neste momento, posicionou os seus subordinados para a posição de um possível confronto.
Os moradores continuaram no cordão humano, impedindo a entrada. Algum tempo depois, o chefe dos guardas e um agente da subprefeitura resolveram ir à parte da comunidade que seria demolida. Enquanto caminhavam, apareceu o oficial de justiça, que foi seguido por alguns moradores. O oficial entregou a ordem de paralisação das casas não negociadas.
Contudo, após lerem os nomes que constavam na decisão judicial, o funcionário da subprefeitura disse que algumas pessoas não constavam na lista da prefeitura e que as casas destes seriam derrubadas. Mais um momento de tensão e terror. Alguns moradores, que perceberam que seus nomes não estavam na lista, desesperaram-se. Achou-se que, com a chegada do oficial de justiça, o aparato da prefeitura seria retirado. Mas, como afirmado acima, os agentes da subprefeitura aproveitaram o fato de que nem todas as casas não
negociadas estavam na decisão para continuar pressionando para demoli-las. Muitos nomes não estavam simplesmente pelo fato de que não houve tempo para que todos entregassem os documentos necessários para a impetração da decisão.
Os agentes da prefeitura presentes resolveram então iniciar o processo de demolição destas casas. Muitos moradores ficaram consternados e revoltados. Guardas municipais, funcionários da subprefeitura e operários seguiram para o fim da comunidade, na direção de uma das construções, que fica no interior de um templo de candomblé, uma das construções mais antigas do local. Neste momento, uma moradora de outra casa passou mal e desmaiou, pois ficou nervosa com aquela investida violenta e arbitrária dos agentes da prefeitura.
Os moradores começaram a contatar a defensoria pública e o Ministério Público, cujos representantes informaram que, mesmo não estando na lista do agravo, a prefeitura não poderia realizar as demolições sem uma ordem de despejo ou intimação prévia. Tentavam informar isto aos agentes da subprefeitura e à guarda municipal, que se mantinham irredutíveis. Desistiram de demolir esta casa e foram em direção a outra, que fica no meio da comunidade.
Alegaram a mesma coisa, isto é, de que o morador não estava na lista do agravo. Entretanto, a construção em questão fica em cima de outra, que não havia sido negociada e estava no agravo. O referido morador é filho de uma senhora, dona da parte debaixo e não estava na localidade naquele momento, por estar trabalhando. Esta senhora ficou muito nervosa, pois havia muitas crianças no local. As crianças ficaram nervosas com aquela movimentação toda, já que o chefe dos guardas municipais naquela situação pediu para que seus comandados fossem para a frente da casa e preparar o despejo daquelas pessoas, mesmo utilizando a força.
Muitos moradores foram ajudá-la, colocando-se na entrada da construção, não permitindo que entrassem e alegando a ilegalidade daquela ação. Policiais Militares e Civis permaneciam fortemente armados próximos. Os policiais civis em questão tentavam incitar a utilização da violência por parte dos moradores, apontando que não interferiria, justificando assim a própria atuação ou da guarda municipal em caso de confronto. Os
moradores e autoridades públicas acionadas por estes (Defensoria Pública e Ministério Público) exigiram a interrupção daquela ação e a retirada dos agentes da prefeitura dali.
Após contatos feitos, pela defensoria e assessores parlamentares que estavam ajudando, com o subprefeito e a secretaria de habitação, os funcionários ali presentes se retiraram. Estas ações ainda seriam denunciadas pela Relatora da ONU para o direito à moradia adequada, Raquel Rolnik, em seu blog na internet.13 Ao se encaminharem para a 42ª Delegacia Policial, os moradores tiveram negado seu pedido de registro de ocorrência por parte dos inspetores de plantão. Alegaram que a Prefeitura "deveria ter lá suas razões e seus direitos" para proceder desta forma.
No último dia 21 de dezembro, houve uma reunião organizada pelos moradores, assessores parlamentares, Defensoria Pública, Ministério Público, Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Estado, Subsecretaria de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos. Estiveram presentes, ainda, representantes da prefeitura, que encaminhou um subsecretário da Secretaria Municipal de Habitação.
Nesta reunião, foi feito um acordo no interior do Poder Executivo para “cessar todas as ações de demolição até janeiro” e que propondo que, até uma reunião a ser realizada no dia 14 de janeiro com o Ministério das Cidades, “sejam suspensas todas as ações de demolição da Prefeitura nas comunidades da Zona Oeste.
13 Vide <http://raquelrolnik.wordpress.com/2010/12/21/olimpiadas-truculentas/>
14 Vide <http://righttohousing.org/en/news/blog/news-of-social-movements/2010/12/27/mais-umaremoo-
arbitrria-sumria-e-ilegal-no-rio-de-janeiro/>
No mesmo dia, 21 de dezembro, funcionários da Prefeitura estavam na comunidade de Guaratiba, comunidade da Zona Oeste, próximas as demais comunidades mencionadas, ameaçando os moradores e promovendo demolições.14 Nos dias 22 e 27 de dezembro, a Prefeitura também esteve presente na comunidade da Restinga e realizou a demolição de casas, que todavia estavam previamente negociadas, porém é importante notar que no reunião do dia 21 o Estado havia se prontificado a cessar toda e qualquer demolição, incluindo a das casas negociadas.
CONCLUSÃO
Reforçamos o caráter emergencial da nossa situação tendo em vista a celeridade com que o poder público tem agido contra nossos direitos. Assim, as comunidades da Restinga, Vila Harmonia e Recreio II solicitamos a ajuda de todos para denunciar estes fatos.
Apenas através da nossa atuação coletivo podemos reverter este quadro de arbitrariedades que vem se tornado o cotidiano do carioca morador de favelas e comunidades pobres frente ao abuso de poder por parte dos Poderes Públicos.
Atenciosamente,
Comunidade da Restinga, Comunidade Vila Recreio II, Comunidade Vila Harmonia, Rede
de Comunidades e Movimentos contra a Violência, Pastoral de Favelas e Conselho Popular
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